Reflexões Jornalísticas

Mercado de Trabalho

Pelo menos não é necessário começar este texto pelo lead... Cativar o interesse do leitor, fazendo com que ele capte a informação principal e tenha determinação, atração, boa vontade, condescendência, o que seja, para continuar a leitura. A redação, ônibus, no banho o lead é presença certa entre as preocupações do jornalista. Alguns acham isso poético, um verdadeiro artesanato verbal, como se estivessem falando das crônicas de Machado de Assis. Há jornalistas que agem assim, procurando encaixar as palavras como bardos pensando no ser amado. Depois do lead vem a amarração entre parágrafos, conectivos, a lógica entre informações e opiniões, a ordem das coisas, o vocabulário. Tudo leva a crer que estamos diante de uma arte. Encarando sob o ponto de vista estritamente artístico, o mercado de trabalho para o jornalista será, já é, ou sempre terá sido?, decidido pelos dons individuais. Quem tem Dom sobrevive, ganha bem, é disputado pelas grandes empresas capitalistas que dominam as informações. A única condição para o trabalho desses artistas dentro do capitalismo é sua submissão ao sistema. Corrompe-se a arte.
Os cursos de jornalismo são, dessa forma, um teste de quatro anos para que jovens avaliem o próprio talento. Se errarem na avaliação e insistirem na atividade sem o sopro divino, o mercado de trabalho cruelmente lhes dedicará os piores postos, ou nenhum , porque há muitos errados pelo mundo. Nos quatro anos, o estudante de jornalismo é exposto à crítica dos meios de comunicação, ao resultado devastados da falta de liderança na confecção de um jornal e aos piores assuntos possíveis para serem noticiados entre a leitura de Ulisses e as aulas de inglês, espanhol, o percurso longo de ônibus, uma sessão de cinema, as aulas e, claro, a preguiça da sesta proibida no Brasil. Além disso, o futuro artesão das palavras deve se preocupar com o sustento.
Não são poucas as pessoas que vão buscar no jornalismo o dinheiro para a cerveja do fim-de-semana. Dizem até que são muitos os candidatos espalhados por cursos diversos, normalmente de má qualidade e sem muita diversão. Desestimulado, injuriado por parentes que lhe dizem que esta é uma profissão "bonita", contrariando a opinião do pai que queria um engenheiro na família e lhe recorda a cada instante seu gosto quando jovem pela matemática e pela geometria, o estudante passa horas refletindo sobre o futuro do mercado de trabalho, se seu dom, já está provado, fica aquém do que previra, e é insuficiente para qualquer pretensão, ele procura ajuda psicológica. Quem sabe uma palestra que lhe mostre o que fazer, tanto para escolher uma área de atuação, como para lhe dar dicas furadas para sua primeira entrevista de emprego.
Desde os primeiros anos no curso superior, o destemido coletor de histórias procura um emprego para ganhar experiência. Não existe estágio, então ele aceita qualquer coisa, ganha pouco, quebra a cabeça, às vezes a cara, e aprende. E muito. Ele deve Ter talento para aprender, então? Talvez deva ser o maior de todos os talentos. Ao contrário do que pensava, não aplica no trabalho muito do que vê umas duas vezes por semana nas aulas da faculdade. Pior, nota que pouco sabia do trabalho antes de trabalhar. Sem nenhuma orientação, ele é obrigado a se virar. A concorrência começa cedo, e é dura, porque são sempre dez currículos vazios em cada empresa de comunicação, aguardando por uma olhada detalhada que raramente acontece. sem talento, num emprego ruim, o futuro dá sinais, através das margens que deixa expostas no tempo, de que não é o que se pensava. Para quem tem talento pode ser diferente, mas o humano entra em depressão. Não é um futuro negro, mas é suficientemente medíocre para levar à depressão. E o estudante pergunta se pode fazer alguma coisa, o tempo comendo suas oportunidades de melhorar o currículo. Se for tarde demais só lhe vai restar mudar o papel branco para outro especial, decorado, com caracteres especiais para chamar a atenção.
Algumas coisas nos quatro anos não passam despercebidas. Há um jogo de indicação, de influência na imprensa. O curso não lapida talentos, nem ensina a atividade de jornalista, poderia ser cursado por um estudante de letras só por curiosidade, mas não por jornalistas. Estes deveriam estar estudando história e geopolítica. O mercado de trabalho não absorve todos os formandos, por isso há a perspectiva de sair com o diploma para vender seguros. Atividades como a venda de seguros são mais recompensantes que o jornalismo. O já glamuroso profissional se sente enganado, mas não é verdade. A realidade é relativa ao que se quer ver. Fazer um lead vai se tornando um ato automático e veloz. O texto será padrão, simples. O estresse será pesado. Haverá oportunidades para boas matérias, mas ninguém vai se lembrar delas - só se algum historiador procurar para escrever um livro.
Deprimente? De forma alguma. Se o mercado de trabalho saturado preocupa, se os jornalistas serão submetidos a uma seleção nada natural, se talento não é tudo, se não se tem Dom, se não se tem força de vontade e esperança para tentar um salto qualitativo no trabalho, mesmo assim vale a pena tentar. Quem sabe o que será?

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