Reflexões Jornalísticas

Perigo inconsciente

Como funciona a propaganda subliminar 
Júlia Garcez

O midiólogo-advogado-cartunista Flávio Calazans é um pesquisador que se esforça para tornar o assunto mais acessível a população. Embora seja utilizadas em todos os meios de comunicação, com os mais diferentes propósitos, as mensagens subliminares são ainda desconhecidas do grande público. Autor de um dos poucos livros sobre o assunto existentes no país, Calazans defende a informação da população como principal forma de defesa contra esse "crime", como define a propaganda subliminar. Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Histórias em Quadrinhos da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), Calazans concedeu esta entrevista no intervalo de suas aulas na pós-graduação da Cásper: O cientista Flávio Calazans e um Pikachú
Qual a melhor definição para mensagem subliminar? A mensagem subliminar é aquela que tem efeito abaixo do limiar de consciência. Vou usar bem o conceito etimológico: sub quer dizer abaixo, limiar, limite. De acordo com Jung, nosso inconsciente é como um porão. Ao se entrar lá com uma lanterninha, você só consegue iluminar um pedaço de cada vez. Esse "foco" de luz é o consciente, e todo o resto é o inconsciente. É nessa penumbra que acontecem os efeitos subliminares. É nessa área de penumbra que que ocorrem as mensagens subliminares. Podem ser criadas voluntariamente ou não. Já pesquisei casos de artistas plásticos que criaram mensagens subliminares inconscientemente como artistas que criaram conscientemente. Salvador Dali, o designer Bruno Munari e muitos outros usavam as mensagens subliminares, com imagens encaixadas ou embutidas, por exemplo.
"Sociedade consciente é impossível, o povo tem memória curta" Qual o efeito que se tem ao empregar as mensagens subliminares na propaganda? A mensagem subliminar tem um direcionamento mais para o cérebro réptil, hipotálamo, cérebro mais baixo, que envolve impulsos sexuais e muitas outras emoções intensas mexem com energias primitivas. Todo mundo tem fome, sede, medo. As mensagens serão direcionadas para esse caminho. Quando a publicidade usa esses recursos, mexe com energias muito intensas. Por exemplo, um candidato que fala sobre segurança mexe com algo muito intenso, que é o medo que se tem de ser assaltado, de levar um tiro, ou ser machucado. 
Ou seja, a propaganda subliminar pode ser usada nos mais diferentes meios para manipular o comportamento do receptor sem sequer o seu conhecimento tampouco seu consentimento? O grande problema do subliminar é esse: você não sabe ou não acredita que eles existem. A pessoa não sabe que está recebendo a mensagem. Há um publicitário que em 1972 fez um anúncio aqui no Brasil para a Chevrolet. Os carros tinham fama de capotar, a pessoa batia a cabeça no teto e morria no carro. Fizeram então um carro com cinto de segurança, teto reforçado, coisa e tal. No jingle, o ritmo da música marcava 72 batidas por minuto, igual às da mãe amamentando o filho. Isso remete ao aconchego do colo da mãe. A pessoa cria uma ligação emocional com a marca Chevrolet que vai durar para sempre, associará a Chevrolet ao aconchego materno. Não se tem liberdade de escolha. Um contrato em que a compra é forçada não tem valor jurídico e nem ético. Quando há um contrato forçando, induzindo a pessoa, há questões enormes de direitos do consumidor, de propaganda enganosa, e até mesmo de cidadania. Há alguma forma eficaz de se proibir uma propaganda que escraviza o receptor, que tira-lhe o livre arbitro? Para quem interessa proibir o uso de subliminar, se os próprios políticos os usam? Se a Coca-cola, a general Motors, a Rodia, o McDonald's e outras multinacionais usam? Para quem vai interessar?. A proibição é interessante para a sociedade civil, e não para os políticos. Esperar que venha uma lei é problemático, é se isentar de se defender. Minha posição é esquecer a legislação, é educar. Como é possível escapar dos subliminares? É necessário acordar para o problema. Sociedade consciente não é possível, o povo tem memória curta. A subliminaridade tem de ser pautada sempre para relembrar o crime. A lei de Imprensa tem de considerar essa prática crime. Quem entende tem de transmitir para quem não entende.Essa época de propaganda eleitoral é um show. Onde quer que se olhe, vai achar propaganda subliminar. E geralmente quem mais faz entra. O cara não tem proposta nenhuma, e entra. É o jingle, é o marketing, é o terno. Lembra-se da campanha do Lula? O Lula sem terno, perdendo votos, e o Lula com terno, recuperando esses votos. Conscientizar a população é difícil, tudo tem de ser um trabalho contínuo. Juiz Lalau agora é a bola da vez. Ele, futebol, estão aí para distrair a população na época das eleições. Isso é narcotização, uma técnica antiga usada para manipular o público. Se você martelar subliminar, subliminar, subliminar na população, ela será capaz de atentar para o problema. A imprensa tem de fazer isso, e não ficar passando 'no limite, no limite, no limite"... Há algum candidato que não utilize essas técnicas? Os pobres ou os mal assessorados. Quando o candidato pode pagar e alguém dá um feedback, ele utiliza subliminar. O Enéas, por exemplo, sabe muito bem o que está fazendo. E ele fica em terceiro lugar, tem mais votos do que todos os adversários dele juntos. É uma quantidade muito grande de votos. Por muito pouco, ele estaria no segundo turno. Estaria no segundo turno com seu discurso fascista, bomba atômica, milícias urbanas. Um discurso muito perigoso nessa época de crise econômica e de skinheads. É muito perigoso, não dá para dizer que ele é engraçadinho. E no caso do PRONA cada candidato dele tem um "rebaixado" (fundo azul sobre fundo azul). Se você puser isso no quadro a quadro ou olhar para os lados em vez de olhar para o candidato, aparece PRONA, PRONA, PRONA. Eles ficam martelando isso na cabeça do telespectador, martelando o nome Enéas, usando cores fria, cores mais agradáveis. Como funciona esse esquema de cores? Por que tantos candidatos usam cores frias? Porque a esquerda usa vermelha. É tudo uma técnica, nada acontece de graça. O PRONA escrito muitas vezes, a fala rápida...Cito o Enéas porque ele é um exemplo de subliminar muito bem feito. Há médicos, militares e evangélicos (que também usam muito bem os subliminares) com ele no PRONA, são todas pessoas que entendem do assunto muito bem. Estou citando o nome do Enéas porque acho que é um assunto muito sério para se desconsiderar, temos de citar sim os nomes. Se o uso de subliminares fosse hipoteticamente proibido na campanha eleitoral, ela continuaria a cumprir a função a que se destina? Os candidatos que te tratam como cidadão, que te respeitam, vão continuar sabendo trabalhar, mesmo sem os recursos dos subliminares. Esses caras que usam os subliminares estão comprometidos com o desrespeito, não seriam capazes de conceber uma campanha baseada na honestidade. Eticamente, essas campanhas são discutíveis. Pelo código eleitoral, isso já causaria alguns probleminhas para eles, é que ninguém se levanta para fazer alguma coisa. As leis eleitorais são muito bem amarradas . Você tem de procurar um partido, ele tem de apoiar o seu processo para você conseguir alguma impugnação. E isso é muito difícil, apenas para uma pessoa fazer isso demora muito tempo, o processo só terá fim quando a eleição acabar. É preciso ter um partido, mas maioria deles tem o rabo preso. Apesar dos perigos que a propaganda subliminar representa, há alguma forma de uso dos subliminares que não traga tantos riscos aos receptores das mensagens? Existem subliminares que são sintáticos, que são internos da obra. Como no filme do Drácula, que em um momento mostra, de forma subliminar, o ator sem maquiagem. Está vendendo a imagem do ator, mas também está ajudando a entender o filme. Muita gente usa recursos subliminares sem estar necessariamente vendendo alguma coisa. Esse subliminar ele tem um efeito na narrativa, mas morre dentro da obra, não tem efeito no mundo lá fora. O subliminar que tem efeito no mundo lá fora, que tem efeito prático, é o subliminar pragmático. Mas quando o subliminar é dentro da obra, teria um efeito sintático. Salvador Dalí usava, Hans Hobber, em 1573, usava. Mas o subliminar tem um efeito dentro da obra, para estrutura da própria obra, não tem valor externo, te manipulando para comprar algum produto ou adotar uma ideologia, não haveria nem porque combater seu uso. 
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